sábado, 2 de outubro de 2010

Murilo Rosa em "Como esquecer"







Anestesiada pelo humor rasgado do curta-metragem "O bolo", cujo glacê é polvilhado a sensualidade pela atriz Fabiula Nascimento, a Première Brasil reagiu com leveza ao fel circulante pelos planos de "Como esquecer", de Malu de Martino, exibido na noite de quinta-feira no Odeon. Chama-se Murilo Rosa o responsável por manter leve o espírito de uma sala incapaz de dar conta da multidão de espectadores — nestes tempos de Festival do Rio, que falta faz o cine Palácio, estupidamente extinto — dia após dia. Numa história sobre perdas, conduzida pela realizadora de "Mulheres do Brasil" (2006) com extrema competência, Murilo injetou descontração em um enredo assombrado pela dor.

Baseado no livro "Como esquecer — Anotações quase inglesas", de Myriam Campello, o filme de Malu confirma um bom ano para coadjuvantes. No papel do afetadíssimo ator gay Hugo, Murilo amplia uma fila de fortes candidatos ao troféu Redentor nesta categoria, aberta por Juliano Cazarré em "VIPs" e continuada por Luís Miranda em "Trampolim do Forte". No longa-metragem de Malu, Hugo é o melhor amigo da professora de Literatura Inglesa Júlia, bem defendida por Ana Paula Arosio, que arrancou suspiros de deleite da plateia em cenas de nudez.

Na tela, Júlia é engolfada pela tristeza ao ser abandonada por sua namorada. Malu confina todas as ações de sua protagonista a um único tempo narrativo, o presente — um presente de acomodação ao sofrimento e à covardia, tentando fazer de sua casa um bunker. Quando mostra o passado feliz de Júlia, Malu o faz a partir de imagens desfocadas, semelhantes a filmagens em super-8, decretando que a felicidade de ontem resumiu-se a fotos desbotadas, fiel a uma frase do longa: "O tempo não tem fim, mas o tempo é o fim."

Previsto para estrear em 15 de outubro, "Como esquecer" só perde o fôlego quando a estrutura armada por Malu se deixa domar por uma cerebralidade excessiva, quebrada apenas quando Murilo emerge. Mas seu filme joga uma luz sobre o arranjo estético da Première Brasil 2010: há nela forte influência formal do cinema brasileiro dos anos 80, vide o tom neon noir de "Luz nas trevas" e a pornochanchada tardia em "Elvis & Madona". Mais pelo estilo do que pela similaridade temática, o trabalho de Malu evoca "Vera" (1986), de Sérgio Toledo, e "Aqueles dois" (1984), de Sérgio Amon.

Tem dose extra de "Como esquecer" nesta sexta, às 15h, no Pavilhão do Festival do Rio, com direito a debate, e neste sábado, às 17h50m e às 22h10m, no Estação Vivo Gávea.


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